Imperativo hipotético.
Uma ação pode ser dividida e analisada em três estágios.
O primeiro deles consiste em observar e processar uma outra ação da qual te afetou, originária do mundo externo, que poderá desencadear uma reação ou uma resposta de defesa.
O terceiro estágio consiste em executar essa ação de reação.
Portanto, entre o primeiro e terceiro estágio existe a segunda etapa: deliberar sobre essa ação de reação e como ela será executada. É o estágio de pensamento e reflexão.
O segundo estágio, sem dúvidas, é o principal elemento desse conjunto. Caso você ainda não tenha notado, é nesse instante que a ação é estruturada, onde se toma a decisão de fazer algo sobre aquilo que fizeram contigo e onde, provavelmente, os maiores erros da sua vida podem ser “pensados e executados”.
Em diversas situações, a reação é algo natural. Podemos equiparar certas atitudes como um instinto de defesa e sobrevivência. É tão rápido que, quando notamos, já foi, está feito. Entretanto, é justamente nessa etapa que devemos depositar mais atenção e racionalidade.
Uma forma de utilizo para tomar decisões é me perguntar: será que o mundo ficaria melhor se todas as pessoas agissem da mesma maneira da qual estou agindo? Se a resposta for um evidente sim, sigo em frente. Caso contrário, paro e não tomo ação alguma. Penso melhor.
Imaginem se, quando uma pessoa querida fosse ofendida ou sofresse algum tipo de constrangimento, a reação de nossa parte fosse levantar e dar um tapa na cara desse ofensor? Será que o mundo seria melhor se todos agissem desta maneira? A resposta, como podemos notar, pode ser encontrada apenas com uma pergunta.
Defendo uma igualdade de direitos e uma equidade de pontos de partida. Os privilégios existem, no entanto, sabemos de suas consequências. Principalmente, em um país tão desigual como o nosso. Logo, pensar pelo crivo da universalidade é, também, um ato a favor desta equiparação.
Se meus atos oriundos de algum imperativo apenas me beneficiarem, isso gera um privilégio. Haveria uma contradição entre meus atos e aquilo que digo defender. Trairia a mim mesmo agindo desta forma. Perceba que, a máxima “não tenho nada a ver com outros” pode não ser assim, tão verdadeira.
Existem alguns imperativos que são universais. Para a existência de uma convivência harmoniosa em sociedade e com as pessoas que nos cercam, é necessário respeitá-los. É a estrutura moral do pensamento que consegue, de forma primorosa, distinguir entre os imperativos categóricos e hipotéticos. Não mentir, por exemplo. Podemos conjecturar que a mentira é danosa em praticamente todas as situações. Assim, concluímos que, para conseguirmos confiar, é necessário prezar pela verdade negando a mentira. É algo universal.
Mais um exemplo. Durante a pandemia, meus alunos tiveram que realizar provas à distância. Na correção, eu sabia que uns dois ou três haviam feito a prova de distribuído as respostas aos demais. Do ponto de vista do aluno contemplado com as soluções, isso é um evidente privilégio.
Certamente, esse aluno que copiou as resoluções não se importou com todo o tempo que os professores dedicaram na preparação desses conteúdos, nas aulas que foram gravadas, nos exercícios que foram selecionados e muito menos com alguns poucos colegas que estudaram e se submeteram a avaliação dentro das regras estabelecidas. O objetivo utilitarista deles foi apenas a nota.
É engraçado que, essa subversão ao sistema, ao meu ponto de vista, além de ser um desrespeito ao trabalho e dedicação dos professores, teve um retorno negativo a ele mesmo. Hoje, além de todo o tempo que precisa se dedicar ao conteúdo do ano letivo vigente, esse esperto aluno precisa dedicar horas aos tópicos que deixou de estudar ano passado, quando ele subverteu o sistema de avaliação.
Lembrando que, a etimologia da palavra “aluno”, do latim, significa aquele que é desprovido de luz. Enfim, a definição é perfeita a ocasião. Conclusão: o desrespeito a algumas regras implica em retornos negativos ao processo, ao próprio transgressor do sistema, aos colegas que estudaram e que agora precisam rever o que já sabem e, sobretudo, anula o principal objetivo da disciplina que era o aprendizado.
Logo, os imperativos podem ser os categóricos, ou universais, ou hipotéticos, associados a desejos e objetivos circunstanciais e pontuais. No entanto, ambos possuem a característica de serem autogeridos. Diferentemente de uma relação hierárquica, onde um manda — por possuir uma patente maior — e o outro obedece, aqui quem manda e obedece é apenas você. São ações que seriam feitas independentemente da presença de outras pessoas ou relações de poder. Você as tomaria por fazerem sentido a vida e a forma com a qual escolheu viver.
Outro exemplo. Como professor, eu sempre oriento meus alunos a se dedicarem. É necessário horas de estudos, fazer incontáveis exercícios e estudar, sobretudo, a teoria. Afinal, quem possui conhecimento teórico consegue resolver e desenvolver respostas para inúmeros exercícios.
No entanto, não faz sentido dizer aos meus alunos “vocês precisam estudar cinco horas por dia para ficarem tão bons como os matemáticos profissionais especializados na disciplina”. É razoável imaginar que, nem todos os alunos querem se profissionalizar dessa forma. O imperativo, nesse caso, deixa de ser categórico, isto é, deixa de ser universal e passa a ser circunstancial. Dependerá do objeto, ou hipótese, de cada aluno.
Assim, na hipótese de ele querer se profissionalizar, ele deve se submeter às cinco horas diárias de estudo. Caso contrário, se ele quiser apenas ser aprovado na disciplina, é só fazer o mínimo, tirar a nota de corte e ser feliz. É simples assim.
É importante salientar que o imperativo é um ato de liberdade. Ele significa a deliberação sob sua vontade sobre os atos da sua vida. Ao contrário do que se imagina, o imperativo é a garantia de que seus desejos possam ser usufruídos, sem a necessidade de depender de fatores externos influenciando o teu desejo. Entendem a importância da busca na excelência do pensamento a cada instante da sua vida? Pensar melhor, te ajuda a viver melhor. O que você sente é um subproduto do que você pensa. A forma com a qual pensa, reflete nos seus atos. Seus atos, nessa lógica, ajudam a melhorar, também, a vida de outras pessoas. Portanto, é um resultado positivo do processo emancipatório da forma de pensar.
Sei que isso não se aplica a todos. Muitos gostam de viver a vida à moda do Zeca Pagodinho, “deixando a vida te levar”, “deixar o vento bater na cara”, etc. Não tenho legitimidade alguma e muito menos acredito em uma moral que me permita fazer um julgamento raso da forma alheia de se viver. Dizer sobre como uma pessoa deveria deliberar sobre os aspectos da própria vida é submetê-la ao meu plano de vida. Portanto, isso não faz sentido algum. O que posso afirmar é que, para mim, na maior parte das vezes, “deixar a vida me levar” não funciona.
É engraçado observar como a vida nos empurra alguns imperativos. Meu pai fumou durante muitos anos. Acredito que desde quando ele era criança. Na época, era um algo socialmente aceito e não se conhecia todos os efeitos danosos à saúde que o tabagismo provoca. Em um determinado dia, durante alguns exames, o médico disse a ele “o senhor terá poucos meses de vida se continuar fumando. Está com pressão alta, dilatação no coração, sono prejudicado e ainda é obeso. A escolha é sua. Se quiser ver seu filho crescer, é melhor tomar rapidamente uma decisão”.
Nesse dia, eu ainda criança, lembro que ele chegou em casa, pegou o cachimbo, a seda que usava para fazer seus cigarros e o fumo de corda que ele costumava fumar e jogou tudo no lixo. Foi um imperativo hipotético, do qual estava associado ao fato de me ver crescer, que o fez negar o tabagismo.
Não há necessidade de se chegar ao extremo para tentar uma reação. Até entendo que pensar é doloso no início, é trabalhoso, requer persistência e uma certa dose de resiliência. Mas é muito gratificante quando você consegue iluminar seu caminho. Essa luz é o resultado de uma soma vetorial dos seus pensamentos. As respostas estão em você e são consequências do binômio pensamento-escolha, da forma pela qual o mundo se apresenta e como você o interpreta.
“Viva de tal maneira a pretender que a máxima que presida a tua ação se converta em lei universal” — Immanuel Kant. Lembre-se também que, os imperativos são submetidos a leis universais. São aquelas normas em que todos estão subordinados. Muito embora você seja levado a acreditar que tais leis possam acarretar em um cerceamento de liberdade, é através delas que os direitos e a liberdade podem ser usufruídos. Se não fossem as leis de trânsito, certamente seria muito perigoso dirigir com integridade. A lei que proíbe que pessoas fumem em restaurantes e em salas de aula garantem o bem-estar daqueles que não fumam a frequentarem, com segurança, esses estabelecimentos.
Seria demasiado complicado ter de impor, utilizando a força física, o cumprimento de nossas demandas básicas. Afinal, onde não há leis, impera a maior força. Há alguns que ainda defendem o tal “olho por olho, dente por dente”. Deixo, assim, um questionamento para mais uma reflexão: entende a razão da existência e o respeito às instituições?
J.E.